AS MUDANÇAS DA NOVA LEI DO DIVÓRCIO EM MATÉRIA DE DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO

 

Inacio de Carvalho Neto[1]

Sumário: 1. Introito. 2. Dissolução do casamento. 3. Conclusão. 4. Referências.

Resumo: O texto traz comentários aos aspectos civis da nova Lei do Divórcio, Projeto de Lei nº. 5.432/13, que pretende regulamentar a Emenda Constitucional nº. 66/2010, que alterou a redação do § 6º. do art. 226 da Constituição Federal, suprimindo a separação judicial e os prazos para o divórcio. O texto comenta cada um dos artigos alterados pelo citado Projeto (limitado ao Direito Civil), com análise da doutrina e da jurisprudência que justificou a alteração pretendida.

Abstract: The text comments the civilian aspects of the new Divorce Law, Bill nº. 5.432/13, which intends to regulate the Constitutional Amendment nº. 66/2010, that altered the wording of § 6º. of art. 226 of the Federal Constitution, by abolishing the legal separation and the deadlines for the divorce. The text comments each one of the altered articles by cited Bill (limited to Civil Law), with analysis of doctrine and jurisprudence that justified the desired change.

Palavras-chave: Família. Divórcio. Separação. Projeto. Emenda.

Key words: Family. Divorce. Separation. Project. Amendment.

 

  1. Intróito

Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº. 66, em julho de 2010, a doutrina e a jurisprudência vêm se debatendo com questões básicas suscitadas por ela, dentre as quais a principal, sem dúvida, é esta: existe ainda a separação judicial no Brasil[2]?

Este e outros tantos questionamentos têm sido frequentemente colocados, e só por meio de uma regulamentação legal poderão ser definitivamente resolvidos, tendo em vista a extrema laconicidade da citada Emenda, que se limitou a alterar a redação do § 6º. do art. 226 da Constituição Federal, nestes termos simples: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Urge, portanto, a edição de uma nova Lei do Divórcio[3], para adaptar o texto legal à nova ordem constitucional inaugurada pela Emenda 66/2010, regulando as diversas questões por ela suscitadas e respondendo aos questionamentos frequentes a respeito dessas novas questões.

Foi por isso que propusemos ao Excelentíssimo Deputado Federal pelo PSC/PR Hidekazu Takayama o texto adiante comentado, que foi por ele proposto na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº. 5.432/13.

Segue, adiante, uma análise do texto do Projeto de Lei que pretende se tornar a Nova Lei do Divórcio, regulamentando a disposição lacônica introduzida pela Emenda Constitucional nº. 66/2010, em substituição à Lei nº. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, Projeto dos então Senadores Nelson Carneiro e Accioly Filho, que foi aprovada logo após a Emenda nº. 9, de 28 de junho de 1977, que introduziu o divórcio no Brasil.

Ao contrário do que se fez naquela época, contudo, aqui não se pretende revogar o Código Civil para tratar do assunto em lei à parte, opção esta que foi bastante criticada pela doutrina da época. Entendemos mais correto e louvável a inserção da matéria dentro do próprio Código Civil, mantendo a higidez da obra de Miguel Reale, alterando apenas a redação dos artigos que precisam ser alterados para nele figurarem a matéria do novo divórcio, à luz do que determina a nova norma constitucional.

É neste sentido que se pretende alterar os arts. 1571 a 1577 e revogar o inciso III do art. 1.571, o § 3º. do art. 1.572, o parágrafo único do art. 1.573, o parágrafo único do art. 1.576, o parágrafo único do art. 1.577, e os arts. 1.578, 1.580, 1.581 e 1.582. Em suma, pretende-se dar nova estrutura a todo o capítulo do Código Civil que trata da dissolução do casamento (a começar pelo seu próprio título, agora impróprio), para adaptá-lo à nova norma constitucional do divórcio.

Também neste sentido, pretende-se alterar a redação dos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil (também começando pelo seu próprio título), acrescentando-lhe o art. 1.102-D e o respectivo capítulo (inserto no âmbito dos procedimentos especiais de jurisdição contenciosa), para regulamentar apropriadamente o processo do novo divórcio, permitindo-se então a revogação do que ainda havia restado em vigor da antiga Lei do Divórcio, que só havia sido revogada pelo Código Civil em sua parte material, permanecendo em vigor até o momento a sua parte processual. Esta parte processual do Projeto, contudo, não será comentada neste texto, merecendo um texto específico.

Faz-se necessário alterar, também, a redação do art. 1.584, inc. I, do Código Civil, que trata da guarda dos filhos incapazes, e dos arts. 1.695, 1.700, 1.701, 1.702, 1.703, 1.707 e 1.708, todos do Código Civil, que tratam dos alimentos, também com o objetivo de adaptá-los ao novo tratamento do divórcio.

Aproveita-se o ensejo para projetar a alteração do art. 1.601, para restaurar a boa doutrina do Código Civil de 1916 que estabelecia prazo decadencial para a ação de impugnação de paternidade e a exclusividade da ação pelo marido da mãe; e o art. 1.723, § 1º., do Código Civil, retirando dele a referência à separação de fato como permissivo para a caracterização da união estável, já que esse dispositivo, além de inconstitucional (por ferir o princípio constitucional de proteção à família monogâmica), cria uma grande disparidade entre a união estável e o casamento, conferindo àquela direitos não permitidos a este, o que também contraria a norma do art. 226, § 3º., in fine, da Constituição Federal.

No mesmo sentido, o art. 100, inc. I, do Código de Processo Civil, que confere à mulher privilégio de foro para as ações de separação, conversão em divórcio e anulação do casamento, não está mais em consonância com a igualdade constitucional entre homem e mulher, pelo que também deve ser revogado. Esta questão, por se tratar também de matéria processual, não será neste texto comentada.

E, por fim, também se pretende a revogação do art. 1.520 do Código Civil, que permite a dispensa da idade núbil para o casamento, a uma, porque este dispositivo já está em parte sem eficácia, ante a revogação dos incisos VII e VIII do art. 107 do Código Penal pela Lei nº. 11.106/05; e a duas, porque, mesmo na parte em que ele ainda tem eficácia, é absolutamente injustificável a autorização para casamento antes de 16 anos, ainda que haja gravidez.

Cada uma dessas alterações será minuciosamente comentada abaixo, devidamente justificada, inclusive com indicação da doutrina e/ou da jurisprudência que lhe serve de base. Mas este texto se limita à parte relativa à dissolução do casamento, deixando as demais partes para um comentário futuro.

 

2. Dissolução do casamento

 

No capítulo do Código Civil que trata da dissolução do casamento, pretende o Projeto alterar os artigos do Código Civil a seguir transcritos e comentados, comparando a redação atual com a redação do Projeto:

 

Redação atual

Redação projetada

CAPÍTULO X
Da Dissolução da Sociedade e do Vínculo Conjugal

Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio.

§ 1o O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2o Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

 

“CAPÍTULO X
Da Dissolução do Vínculo Conjugal”

 “Art. 1.571. ...

§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, não se aplicando a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente.

§ 2º. Dissolvido o casamento de qualquer forma, o cônjuge perde o direito de usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido por este, podendo, entretanto, o cônjuge requerer judicialmente a manutenção do nome do outro se a alteração acarretar:

I - evidente prejuízo para a sua identificação;

II - manifesta distinção entre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida;

III - dano grave reconhecido na decisão judicial”.

 

 

Art. 9º. Ficam revogados... o inciso III do art. 1571... da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)...

 

 

Neste dispositivo, pretende-se adaptar o rol de causas de dissolução à nova realidade constitucional, excluindo-se a hipótese do inciso III do art. 1.571 (separação judicial), que foi suprimida pela Emenda nº. 66/2010. Começa-se por alterar o próprio título do capítulo, que não deve mais fazer distinção entre sociedade e vínculo conjugal.

Ademais, pretende-se corrigir erro grave cometido pelo Código Civil de 2002 no tocante à presunção de morte. No art. 1.571, § 1º., o Código passou a admitir a presunção de morte como causa de dissolução do casamento[4]. Contraria, assim, o que dispunha o art. 315, parágrafo único, do Código de 1916, que expressamente excluía a morte presumida como causa de dissolução do matrimônio. Por mais duradoura que fosse a ausência, não tinha ela o condão de dissolver o casamento[5]. Com a revogação deste dispositivo pelo art. 54 da Lei do Divórcio, e não tratando esta expressamente do tema, entenderam alguns autores ser possível a dissolução do matrimônio pela morte presumida[6].

Não obstante, entendemos que a morte presumida não tinha este condão. Posto que não repetida expressamente a proibição do dispositivo revogado do Código Civil, não se podia requerer a declaração de dissolução do vínculo matrimonial por morte presumida de um dos cônjuges, já que o instituto da morte presumida se referia exclusivamente à sucessão dos bens deixados pelo ausente[7]. Necessário se fazia, portanto, que o cônjuge promovesse o divórcio, o que lhe seria, inclusive, mais fácil, já que o divórcio direto dependia apenas de dois anos de separação de fato (prazo este agora dispensado pela Emenda nº. 66/2010), ao passo que, para a configuração da morte presumida, ordinariamente, se faz necessária a ausência por dez anos (art. 1.167, inc. II, do Código de Processo Civil). Talvez por esta razão não tenha o legislador repetido a norma do revogado art. 315. Naquele, como não se aceitava o divórcio a vínculo, era necessário deixar expresso que também não se aplicaria a presunção de morte. A partir da Lei nº. 6.515/77, instituído o divórcio, dificilmente alguém se utilizaria desta presunção para dissolver o vínculo conjugal. Ademais, como lembrava Yussef CAHALI, “ausente qualquer provisão legal que o autorize, continua inexistindo qualquer ação direta para a declaração da ruptura do vínculo matrimonial devido à ausência declarada ou presumida do cônjuge; nem esta ausência, ainda que declarada judicialmente, tem o condão de produzir ipso jure a dissolução do matrimônio”[8].

Mas o Código Civil de 2002 alterou esta situação, decretando, no art. 1.571, § 1º., a dissolução do casamento pela ausência do outro cônjuge em decisão judicial transitada em julgado. Pode agora o cônjuge do ausente optar entre pedir o divórcio para se casar novamente ou esperar pela presunção de morte, que se dá com a conversão da sucessão provisória em definitiva. O divórcio, embora mais rápido, tem a desvantagem de fazer o cônjuge perder o direito à sucessão. Com efeito, sendo o cônjuge herdeiro ainda que haja descendentes ou ascendentes do de cujus (ou, no caso, do ausente), nos termos do art. 1.829, precisará, não obstante, conservar a posição de cônjuge até a conversão da sucessão provisória em definitiva, quando, só então, haverá realmente a vocação hereditária. Se se divorciar antes, embora tendo a vantagem de poder se casar novamente desde logo, terá a desvantagem de perder a legitimação sucessória na sucessão do ausente.

Mas a lei não resolve algumas questões que a norma suscita: em primeiro lugar, em que momento se considera presumida a morte do ausente, para o fim da dissolução do seu casamento? Interpretando isoladamente os arts. 22 e 23[9], poder-se-ia chegar à singela conclusão de que tal dissolução se daria tão logo se desse o desaparecimento do ausente. Mas tal interpretação contraria a sistemática do instituto, bem como a letra do art. 6º., que dispõe: “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Assim, é somente com a conversão da sucessão provisória em definitiva que se presume a morte do ausente, pelo que somente essa conversão é que dissolve o casamento do ausente.

Há quem defenda a ideia de que o cônjuge do ausente, para casar-se novamente, deve promover o divórcio. Mas tal entendimento não pode ser aceito. Que o divórcio dissolve o vínculo conjugal não se duvida. Entretanto, não se pode exigir o divórcio no caso em tela, pois a lei erigiu a morte presumida como causa independente de dissolução do vínculo. Vale dizer: a morte é, ao lado do divórcio, causa de dissolução do casamento; a conversão da sucessão provisória em definitiva, fazendo presumir a morte, dissolve também o vínculo, e por si só, pelo que nada mais se pode requerer para dissolvê-lo, pois já estará o casamento dissolvido com a sentença de conversão. Faltaria objeto à ação de divórcio promovida depois da declaração de ausência, pois o casamento já está extinto. Quisesse a lei que o cônjuge do ausente promovesse o divórcio, nada precisaria ter dito, pois assim já era no sistema da Lei do Divórcio sem qualquer texto legal.

A sentença declaratória de ausência, nos termos do art. 9º., inc. IV, e do art. 94 da Lei de Registros Públicos, deve ser registrada no Registro Civil. Daí resultaria para o cônjuge do ausente a condição de viúvo? A lei não o diz, mas é de se supor que sim, pois seria esta a consequência principal do registro da sentença de conversão da sucessão provisória em definitiva. Mas: viúvo de cônjuge vivo? Sim, porque não se pode negar que o presumido morto é um possível vivo. E mais: uma “viuvez revogável”? Admitindo a lei o retorno do ausente até 10 anos depois da conversão da sucessão provisória em definitiva, podendo ele reassumir seus bens (art. 39), ou, mesmo depois dos 10 anos (embora sem reassumir seus bens), naturalmente poderá o ausente reabilitar-se civilmente, deixando de ser presumido morto, com o que estará revogado o estado de viúvo do seu cônjuge.

Pode o ex-cônjuge do ausente, pretendendo casar, habilitar-se matrimonialmente? Que documentos deve apresentar? Vejamos o que diz o art. 1.525: “O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: ... IV – declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; V – certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio”.

De princípio, já se vê que o ex-cônjuge terá que declarar seu estado civil para casar novamente. Declarará o estado de viúvo, com as implicações antes ditas? Ou, declarando o estado de casado, aceitará o Oficial do Registro Civil a sua habilitação? Como ficaria, neste caso, o impedimento do art. 1.521, inc. VI[10]? Mas o maior problema é que a lei não previu a juntada da certidão do registro da sentença de conversão para fins de habilitação matrimonial. No citado inc. V do art. 1.525 só se fala em certidão de óbito, de anulação ou de divórcio; esqueceu-se o legislador de que o nubente que foi casado pode não ter nenhum desses documentos, mas apenas a certidão de registro da sentença de conversão, documento que, nos termos do art. 1.571, § 1º., deve-lhe ser suficiente.

Observe-se, pois, que a lei não se refere, no inc. V, à sentença de conversão da sucessão provisória em definitiva, como prova da presunção de morte do cônjuge anterior de um dos nubentes. Entretanto, dada a regra do art. 1.571, § 1º., que admite a presunção de morte como fator de dissolução do casamento, deve ser admitida a certidão da sentença de ausência em lugar da certidão de óbito do cônjuge anterior.

Outra consequência não prevista pelo legislador, e esta a mais grave, é o fato do eventual retorno do ausente após o casamento de seu ex-cônjuge. Imagine-se que, após a sentença de conversão, o ex-cônjuge do ausente se case, aproveitando-se da disposição do art. 1.571, § 1º., vindo, depois do casamento, a reaparecer o ausente. Como fica o primeiro e o segundo casamento do cônjuge do ausente? Dir-se-á ser simples a solução, pois o citado parágrafo diz que o primeiro casamento se dissolve pela presunção de morte, equivalendo, portanto, ao divórcio, ou à morte real. Daí seguiria a consequência de que, estando dissolvido o primeiro casamento, válido ficaria o segundo[11]. Mas deve-se discutir: a presunção de morte é uma presunção absoluta (juris et de jure)? Não seria antes uma presunção relativa (juris tantum)? Não se pode negar o seu caráter de presunção relativa, já que o ausente pode retornar e, em consequência, provar que não está morto realmente, desfazendo-se os efeitos da presunção. Sendo presunção relativa, desfaz-se com a prova de que não houve morte real, ou seja, com o reaparecimento do ausente. Então, desfeita a presunção, seria lógico se entender desfeita também a dissolução do casamento. E a consequência disto seria desastrosa: o segundo casamento do cônjuge do ausente foi feito em bigamia, sendo, portanto, nulo[12]. Esta a solução adotada pelo direito italiano[13]. Seria razoável anular o casamento do ex-cônjuge do ausente pelo reaparecimento deste depois de tanto tempo? Melhor seria se a lei tivesse disposição semelhante ao § 1.348 do BGB (Código Civil alemão), que dizia expressamente ficar válido o segundo casamento nesse caso[14].

Por fim, ainda um questionamento: pode o próprio ausente se beneficiar da dissolução do casamento pela ausência? Ou em outros termos: pode o ausente, estando vivo em algum lugar, contrair validamente um novo matrimônio? A lei não o diz, mas, partindo-se do pressuposto que a dissolução se dá pela morte presumida, não estando o ausente morto realmente, não há dissolução do casamento, pelo que não poderá ele validamente casar novamente. Mas aí teremos outro problema: enquanto para o cônjuge do ausente o casamento estará dissolvido, para o ausente não, permanecendo ele casado. Mas, casado com quem? Casado com alguém que é viúvo ou que já se casou com outra pessoa?

De todo o exposto, concluímos que seria melhor que o legislador tivesse evitado a disposição em comento, mantendo a não dissolução do casamento pela presunção de morte, de modo que fosse necessário ao cônjuge do ausente promover o divórcio, evitando, assim, todas as complicações antes enunciadas. Esta, portanto, a razão da alteração aqui pretendida, para restaurar o velho e bom direito do art. 315, parágrafo único, do Código Civil de 1916, mantendo a presunção de morte com efeitos exclusivamente patrimoniais, retirando-lhe a eficácia matrimonial que lhe foi dada pelo Código de 2002.

Também se pretende, neste dispositivo, a alteração da disciplina relativa ao uso do nome de um dos cônjuges pelo outro após a dissolução do casamento, tema que também foi objeto de mal tratamento no Código de 2002.

O Código Civil de 2002 alterou a matéria profundamente em relação ao que havia estabelecido a Lei nº. 8.408/92. A uma, por ter permitido também ao marido o acréscimo do nome da mulher, sendo que, até então, só à mulher se permitia a alteração do nome por ocasião do casamento. A duas, porque trouxe para a separação a matéria de ordem pública introduzida, para o divórcio, pela Lei nº. 8.408/92. A três, porque retornou a matéria à ordem privada, exigindo requerimento do cônjuge para a perda do nome. A quatro, porque passou a permitir ao cônjuge divorciado, como regra, continuar com o nome do outro.

Com efeito, o § 2º do art. 1.571 passou a dispor que, dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial.

Ou seja, na conversão da separação em divórcio, em regra, poderá o cônjuge continuar a usar o nome do outro. A única condição para tanto é que não tenha disposto em contrário a sentença de separação judicial. Isto quer dizer que, para que o cônjuge continue a usar o nome do outro após o divórcio, é preciso que já esteja usando, ou seja, que não tenha sido dele despojado por ocasião da separação[15].

A inovação é má, por permitir, como regra, que um cônjuge divorciado continue com o nome do outro. Ademais, conjugando a regra deste dispositivo com a alteração que o Código de 2002 fez em matéria de acréscimo do nome no casamento (art. 1.565, § 1º), pode-se chegar a uma esdrúxula situação: imagine-se uma mulher que, após o divórcio direto, permanece com o nome do ex-marido, nos termos do art. 1.572; casando ela de novo, pode o seu novo marido acrescer ao seu o sobrenome desta mulher, incluindo o nome do ex-marido. Teríamos, aí, um segundo marido com o nome do primeiro. Em tese, poderia este segundo marido, após um divórcio, passar este nome a outra mulher, que também poderia passá-lo a outro marido, e daí por diante. Veja-se o quanto é estranha a nova norma legal.

Não obstante, há entendimento no sentido de se aplicar a regra do art. 1.578, adiante comentada, também ao divórcio. Inclusive, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, propôs-se alteração legislativa neste sentido, pretendendo alterar a redação do citado § 2º do art. 1.571, para fazer expressa remissão ao art. 1.578[16], alteração que nos parece de todo adequada, tendo em vista não ser razoável que um cônjuge divorciado permaneça com o nome do outro. Foi este o móvel do Projeto para a alteração do § 2º. deste artigo.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum.

§ 1º. A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição.

§ 2º. O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

§ 3º. No caso do parágrafo 2o, reverterão ao cônjuge enfermo, que não houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, e se o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal.

 

“Art 1.572. O divórcio poderá ser, excepcionalmente, fundado em culpa de um dos cônjuges, quando provada a ocorrência de algum dos seguintes fatos, que torne insuportável a vida em comum:

I - adultério;

II - tentativa de homicídio;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante seis meses contínuos;

V - condenação por crime infamante.

§ 1º. Se o regime do casamento for de comunhão de bens, o cônjuge considerado único ou principal culpado pelo divórcio perderá a meação sobre os bens adquiridos na constância do casamento; tratando-se de comunhão universal, perderá também a meação sobre os bens que o inocente levou para o casamento.

§ 2º. Sem prejuízo da condenação em alimentos referida no art. 1702, o cônjuge considerado único ou principal culpado poderá ainda ser obrigado a indenizar o outro pelos danos, materiais e morais, que a sua conduta culposa lhe tenha acarretado”.

 

 

Art. 9º. Ficam revogados... o § 3º. do art. 1572,... da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),...

 

 

 

Um esclarecimento inicial se faz necessário para justificarmos a disposição deste artigo do Projeto: a discussão sobre culpa na dissolução do casamento foi de todo banida de nosso direito pela Emenda Constitucional nº. 66/2010? Cremos que não. É certo que a discussão sobre culpa só se fazia no âmbito da separação judicial, e que esta foi extinta pela Emenda Constitucional nº. 66/10. Entretanto, nada impede que a lei venha a transpor a discussão sobre culpa para o divórcio[17]. É o que pretende o Projeto em comento.

Nos termos do art. 5º da Lei 6.515/77, a separação judicial podia ser pedida por um só dos cônjuges quando imputasse ao outro[18] conduta desonrosa ou qualquer ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento e tornasse insuportável a vida em comum[19].

Abandonou-se, assim, o antigo sistema que discriminava as causas legais que possibilitavam a separação judicial[20]. Neste aspecto foi louvada a atitude do legislador de 1977, já que o art. 317 do Código Civil de 1916, revogado pela Lei do Divórcio, não contemplava todas as hipóteses de violação dos deveres do casamento, tais como a do art. 231, inc. IV, daquele Código, repetido no art. 1.566, inc. IV, do Código Civil[21], bem como não tratava das condutas desonrosas. Fica evidente que as causas citadas no revogado art. 317 do Código Civil foram abrangidas pelas genéricas hipóteses do art. 5º da Lei do Divórcio[22], cabendo nestas, ainda, outras hipóteses que não aquelas, taxativas[23]. Ficou a questão, a partir daí, muito mais colocada ao prudente arbítrio do juiz[24].

Mesmo antes do advento da Lei do Divórcio a jurisprudência já vinha alargando as causas legais, para incluir no conceito de injúria grave hipóteses que, a rigor, ali não caberiam[25]. E Beudant chegou a afirmar que constituía injúria grave tudo quanto um hábil advogado conseguisse como tal inculcar[26]. Hoje, estas hipóteses, que antes se consideravam de injúria grave, estão abrangidas na expressão “conduta desonrosa[27], naturalmente quando não configurem grave violação dos deveres do casamento.

O Código Civil de 2002, embora mantendo, no art. 1.572, as causas genéricas do art. 5º da Lei do Divórcio, ajuntou-lhe causas taxativas no artigo seguinte, com o defeito ainda de dizer caracterizarem elas a impossibilidade da comunhão de vida:

“Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I – adultério;

II – tentativa de morte;

III – sevícia ou injúria grave;

IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V – condenação por crime infamante;

VI – conduta desonrosa”.

E, como se não bastasse o erro do caput, o parágrafo único ainda acrescenta a possibilidade de o juiz considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum. Ou seja, a relação do caput não é taxativa, o que a torna sem sentido.

Até então se conhecia dois sistemas possíveis para arrolar as causas culposas: o sistema de causas taxativas, do revogado art. 317 do Código Civil de 1916, usado ainda hoje na vizinha Argentina e na Espanha, e o sistema de causas genéricas, implantado no Brasil pela Lei do Divórcio, por cópia da lei francesa de 1975, também usado na Alemanha, Itália, Portugal, entre outros. Nosso Código implanta um sistema misto até então inédito: a par das causas taxativas, passa ele a admitir também “outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum”. Isto torna sem sentido toda a disposição do caput, pois, se é possível ao Juiz considerar “outros fatos”, não há razão para enumerar alguns deles. Nem mesmo para interpretação analógica servem estes fatos enumerados, já que estes “outros fatos” não precisam, necessariamente, ser semelhantes aos que foram arrolados expressamente.

Temos, portanto, no Código de 2002, um sistema absolutamente incongruente: o art. 1.572 arrola causas genéricas; o caput do art. 1.573 traz causas taxativas; já o seu parágrafo único retorna ao sistema de causas genéricas. Este sistema, que podemos chamar de “causas mistas”, torna a lei bastante incompreensível. Inclusive, na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, propôs-se a revogação do art. 1.573 e a alteração da redação do caput do art. 1.572, para corrigir este defeito do Código.

Observe-se, porém, que “outros fatos” devem ser entendidos como outras causas que configurem atos de grave violação de deveres do casamento. Não se pode, data venia, aceitar a tese recentemente esposada pelo Superior Tribunal de Justiça, que se utilizou deste dispositivo para decretar a separação sem culpa de ambos os cônjuges, que pediram, em ação e reconvenção, a separação por culpa do outro[28]. Se não há ato culposo de qualquer dos cônjuges, não se pode falar em separação ou divórcio culposos. Os cônjuges que quiserem se divorciar nestas condições deverão buscar a via do divórcio não culposo ou do divórcio consensual, como se verá adiante.

A tendência moderna tem sido o abandono do sistema de culpa, como o fez o BGB reformado em 1976. Mas esse abandono deixa a descoberto situações excepcionais que justificam ainda a invocação da culpa na dissolução do casamento, casos em que a culpa de um dos cônjuges é bastante evidente e justificam uma apenação do cônjuge culpado.

Por todo o exposto é que, mantendo ainda o sistema da culpa, procuramos corrigir os vários defeitos e inconvenientes da lei em vigor para, em primeiro lugar, deixar claro que a culpa é hipótese excepcional, só devendo ser aplicada quando ela ficar cabalmente demonstrada nos autos. E daí a enumeração taxativa, numerus clausus, das causas culposas, evitando o arbítrio judicial e a extensão de causas ad infinitum. Atende-se, assim, razoavelmente, o anseio daqueles que querem ver banida de nosso direito a discussão sobre culpa[29]; o Projeto, embora não banindo-a totalmente, torna-a excepcional, para ser usada apenas eventualmente, em hipóteses em que a culpa está bastante evidenciada.

Ademais, insere-se uma consequência útil à decretação da culpa, introduzindo distinção na partilha de bens em desfavor do único ou principal culpado pelo divórcio, já que, uma vez afastada a fixação da guarda dos filhos com base na culpa, praticamente não havia sobrado qualquer consequência à consideração da culpa por um dos cônjuges.

Por fim, adota o Projeto expressamente a doutrina[30] que entende possível a condenação do cônjuge culpado na obrigação de indenizar o outro pelos danos materiais e morais cometidos, afora a sua condenação em alimentos.

 

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:

I - adultério;

II - tentativa de morte;

III - sevícia ou injúria grave;

IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;

V - condenação por crime infamante;

VI - conduta desonrosa.

Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.

 

“Art. 1573. O divórcio também poderá ser pedido unilateralmente por qualquer dos cônjuges sem fundamento em culpa do outro, baseado na simples separação de fato do casal.

§ 1º. O divórcio baseado neste artigo requer prova da efetiva separação de fato do casal, não podendo estar os cônjuges vivendo sob o mesmo teto.

§ 2º. A prova requerida no § 1º. deste artigo é dispensada se houver prévia medida cautelar de separação de corpos deferida pelo Juiz competente e ainda em vigor.

§ 3º. Havendo divórcio culposo pendente de julgamento, proposto antes ou depois do pedido unilateral referido neste artigo, será este pedido apensado àquele e só será julgado caso o divórcio culposo não seja julgado procedente”.

 

 

Art. 9º. Ficam revogados o ...parágrafo único do art. 1573... da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),...

 

 

 

Trata este dispositivo do divórcio litigioso não culposo, também chamado de divórcio meramente unilateral, já que quase não se pode falar em litígio, pois dificilmente haverá contestação nesta hipótese, à míngua de motivo para contestar.

Em primeiro lugar, reitere-se o que já foi dito em comentários ao artigo anterior: pretende-se aqui excluir a referência às causas que podem “caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida” (em realidade, as supostas causas taxativas que configurariam atos culposos), pois as causas para o divórcio culposo já foram tratadas no artigo anterior.

Substitui-se, portanto, essa regulamentação inconveniente por nova disposição para regular o divórcio não culposo, que foi ignorado pelo Código Civil de 2002 (assim como já o tinha feito a Lei do Divórcio), justamente ele a hipótese mais comum na prática.

Inicia-se deixando claro que o divórcio pode ser pedido unilateralmente por qualquer dos cônjuges, com base na simples separação de fato do casal. Tendo em vista a alteração produzida pela Emenda nº. 66/2010, retirando da Constituição a exigência de qualquer prazo para o divórcio, resta como única exigência para o divórcio a separação de fato do casal, sem qualquer prazo.

Mas é necessário que haja efetiva separação de fato, efetivamente comprovada por qualquer meio, prova esta que será dispensada se o casal já estiver separado de corpos, por decisão judicial que esteja ainda em vigor (que não tenha caducado por qualquer motivo).

Acresce-se, ainda, a possível prejudicialidade do divórcio culposo em relação ao não culposo: havendo divórcio culposo pendente de julgamento, proposto antes ou depois do pedido unilateral referido neste artigo, será este pedido apensado àquele e só será julgado caso o divórcio culposo não seja julgado procedente. Em suma, o divórcio culposo (se houver) deve sempre ser julgado em primeiro lugar; somente se este não alcançar procedência é que poderá ser julgado o pedido de divórcio não culposo.

 

    

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem casados por mais de um ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a convenção.

Parágrafo único. O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial se apurar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges.

 

“Art. 1574. Dar-se-á o divórcio por mútuo consentimento dos cônjuges separados de fato se o manifestarem perante o juiz ou tabelião, sendo por eles devidamente homologada a convenção.

§ 1º. O divórcio consensual somente poderá ser feito extrajudicialmente se o casal não tiver filhos incapazes, obedecendo ao disposto no art. 1.124-A da Lei nº. 5.869/73 (Código de Processo Civil).

§ 2º. O juiz ou o tabelião deverão promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.

§ 3º. O juiz ou o tabelião podem recusar a homologação do divórcio se apurarem que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges”.

 

 

 

Substitui o Projeto aqui o tratamento da separação consensual pelo divórcio consensual, mas em termos semelhantes, acrescendo, no caput, a necessidade de que os cônjuges estejam separados de fato e a referência ao divórcio extrajudicial, introduzido pela Lei nº. 11.441/07. Quanto a este, inclusive, o § 1º. faz expressa menção à lei processual que o regula, repetindo a exigência lá constante de que não haja filhos incapazes, corrigindo, neste passo, o erro da lei processual de referir-se a filhos “menores ou incapazes”.

Repete-se no § 2º. a exigência de tentativa de conciliação, que já constava da antiga Lei do Divórcio, ouvidada na Lei nº. 11.441/07, tentando-se, assim, resgatar a importância de se evitar, sempre que possível e conveniente, o divórcio do casal.

A possibilidade de recusa do acordo é repetida no § 3º., estendida também ao divórcio extrajudicial, como já vinha entendendo a doutrina mesmo sem lei expressa. Convém notar, neste passo, que tal possibilidade não se confunde com a antiga “cláusula de dureza”, introduzida pela velha Lei do Divórcio (art. 6º.) e suprimida pelo Código Civil de 2002, pois esta se aplicava tão-somente à separação litigiosa não culposa, e por razões de ordem pessoal. Aqui a possibilidade de recusa, aplicável apenas à dissolução consensual, deve-se a razões de ordem patrimonial.

 

 

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.575. A sentença de separação judicial importa a separação de corpos e a partilha de bens.

Parágrafo único. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida.

 

Art. 1.576. A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens.

 

“Art. 1575. O divórcio implica o fim de todos os deveres do casamento e a partilha de bens, se o regime for de comunhão, retirando também os efeitos civis do casamento religioso.

§ 1º. A partilha de bens poderá ser feita mediante proposta dos cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida, mas em nenhuma hipótese será deixada para depois do divórcio.

§ 2º. A sociedade conjugal só se encerra com o trânsito em julgado da sentença de divórcio, mas os efeitos patrimoniais desta, inclusive quanto à partilha de bens, retroagirão à data da propositura da ação de divórcio ou, se for o caso, à data da propositura da medida cautelar de separação de corpos que lhe antecedeu, se ela não tiver caducado”.

 

 

O Projeto reuniu no art. 1.575 as disposições dos anteriores arts. 1.575 e 1.576, caput, consertando erro já secular referente à extinção apenas de alguns deveres do casamento. Em que pese o art. 1.576 do Código Civil de 2002 só referir expressamente aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca, como já fazia a Lei do Divórcio, a verdade que aqui procuraremos demonstrar é que todos os deveres do casamento cessam com a dissolução da sociedade conjugal.

A omissão legal tem razão de ser em virtude do disposto no art. 26 da Lei do Divórcio (não repetido expressamente no Código de 2002), que, impropriamente mantinha o “dever de assistência” entre cônjuges divorciados.

Autores há que endossam a impropriedade legal. Assim Darcy Arruda Miranda[31] e Orlando Gomes, para quem, “enquanto perdurar a separação, o marido é obrigado a prestar alimentos à mulher, salvo em certas situações, porque subsiste esse efeito do casamento (dever de sustento)”[32]. Rainer Czajkowski entende subsistir, entre cônjuges separados judicialmente, o dever de mútua assistência[33], embora expresse (referindo-se ao concubinato) que, “com o rompimento da união, rompem-se também os deveres; daí se dizer que, a rigor, os alimentos substituem a assistência material, não são manifestação dela”[34]. E Márcio Pinheiro Dantas Motta afirma que “ainda há um vínculo unindo o casal capaz de conferir juridicidade à pretensão alimentícia por qualquer deles”[35].

Na verdade, o que existe entre eles é uma obrigação alimentar, mas não dever de assistência, que se encerra com o fim da sociedade conjugal. Ou seja, todos os deveres do casamento, justamente por se tratar de deveres do casamento, extinguem-se com a dissolução da sociedade conjugal. Neste sentido a doutrina mais abalizada:

“Objeta-se, no entanto, que a Lei do Divórcio, ao estatuir a dissolução da sociedade conjugal, apenas discrimina a cessação de dois deveres recíprocos, tais a fidelidade e a coabitação, não incluindo, em tal dispensa, a mútua assistência, que, destarte, ficaria em aberto, dela se valendo o cônjuge necessitado para obter, em ação de alimentos, provisão do outro.

Contra essa inteligência, cabe redargüir que o dever de socorro se entrelaça aos demais deveres recíprocos entre os cônjuges, cuja extinção acarreta, logicamente, também a da assistência após dissolvida a sociedade conjugal. Aquele dever é, na verdade, e por razões de imediata percepção, contextual e conatural em relação aos demais”[36].

 

“Em segundo lugar porque, homologado o acordo de desquite, desaparece o dever de mútua assistência entre os cônjuges, não havendo mais razão para impor-se ao homem o dever de sustentar sua ex-mulher”[37].

 

“Decretada ou homologada a separação, a sentença libera automaticamente os cônjuges do dever de se manterem fiéis, reciprocamente (CC, art. 231, I); de manterem vida em comum no domicílio conjugal (art. 231, II); de finalmente assistirem-se mutuamente, obrigação imposta pelo art. 231, III”[38].

 

Parece também ser neste sentido a lição de Eduardo de Oliveira Leite, entendida a contrario sensu, quando afirma que “enquanto perdura o processo judicial de separação, perduram as obrigações decorrentes do casamento”[39]. Neste sentido também a doutrina italiana:

“...as únicas obrigações que, depois da separação, ligam os cônjuges, são aquelas que surgem da própria separação, obrigações expressamente estabelecidas pela legislação sobre separação pessoal e que, não são absolutamente, como alguns deduzem, uma continuação dos deveres conjugais de que cuidam os arts. 143 c.c. e ss. De fato a legislação sobre separação pessoal é em tudo autônoma em relação àquela sobre obrigações derivadas do estado de casados”[40].

 

Note-se ainda outra impropriedade do citado art. 1.576: fala de dever de coabitação, querendo naturalmente se referir ao dever de vida em comum no domicílio conjugal. Ocorre que este não se limita apenas à coabitação, abrangendo também o débito conjugal, que não foi referido no mencionado dispositivo. Mas ninguém poderia admitir a permanência do débito conjugal após a dissolução da sociedade conjugal.

Há que se dizer, entretanto, que o dever de sustento (ou de mútua assistência) não se confunde com a obrigação alimentar, que pode provir de outras formas.

Em suma: todos os deveres do casamento, sejam os explicitados no art. 1.566 do Código Civil, sejam os deveres ditos implícitos, encerram-se com a dissolução da sociedade conjugal por qualquer forma, inclusive a extinta separação judicial. A partir desta, podem surgir outras obrigações, como a alimentar, que não se confundem com aqueles deveres e não são continuação deles. E é por isso que o Projeto pretende deixar isto explicitado, evitando a confusão hoje feita em torno da matéria.

Também deixa claro o Projeto, no § 1º., que a partilha não pode ser deixada para depois do divórcio, como erroneamente se supôs em razão da redação atual do art. 1.581 do Código Civil. A este propósito, estabelecia o art. 31 da Lei do Divórcio:

“Art. 31. Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha de bens”.

 

Este dispositivo, sobretudo em sua segunda parte, gerou grandes discussões na doutrina e na jurisprudência, principalmente em razão do que dispunha o art. 43 da mesma lei:

“Art. 43. Se, na sentença do desquite, não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens, ou quando esta não tenha sido feita posteriormente, a decisão de conversão disporá sobre ela”.

 

A aparente contradição entre ambos os dispositivos era facilmente explicável: o art. 43, inserto corretamente no Capítulo IV (“Das disposições finais e transitórias”) se referia à sentença do desquite, enquanto o art. 31 falava de sentença de separação judicial, ou seja, aquele dispositivo tratava da dissolução da sociedade conjugal ocorrida antes da Lei do Divórcio, enquanto este (o art. 31), tratava das sentenças posteriores a 1977.

Assim, permitia o art. 43 que a decisão de conversão dispusesse sobre a partilha dos bens quando a sentença de desquite não a tivesse decidido, nem tivesse a partilha sido feita posteriormente, enquanto que o art. 31 proibia a decretação do divórcio se a sentença de separação judicial não tivesse decidido sobre a partilha dos bens.

E isto por razões óbvias: se o casal se desquitara antes do advento da Lei do Divórcio, não havia ainda a regra constante do art. 31 exigindo a partilha anterior[41]. Quis então o legislador resolver estas situações transitórias, permitindo que a decisão de conversão dispusesse sobre a partilha dos bens. E por se tratar de regra transitória, estava corretamente disposta no Capítulo IV da lei. Já quando o casal tivesse se separado na vigência da Lei do Divórcio, tinha conhecimento da necessidade de a sentença de separação dispor sobre a partilha de bens, ou, ainda que não o fizesse, de ser a partilha decidida antes do pedido de conversão da separação em divórcio, pelo que não poderia obter a conversão sem o cumprimento deste requisito.

Este entendimento, que nos parece suficientemente claro, foi utilizado na jurisprudência quando da promulgação da Lei do Divórcio[42]. Não obstante, mais recentemente, vinham os tribunais mudando de orientação e negando aplicação ao art. 31 da Lei 6.515/77 para permitir que a decisão de conversão dispusesse sobre a partilha de bens mesmo quando o casal tenha se separado (e não desquitado) após 1977[43], em aplicação distorcida do disposto no art. 43 da Lei do Divórcio[44]. Não é o caso de repetir aqui toda a polêmica da época, pois ela tem agora interesse meramente histórico[45].

O Código Civil de 2002, acolhendo essa jurisprudência, dispôs em sentido contrário ao disposto no art. 31 citado: “Art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”. Ou seja, acolhendo a doutrina então minoritária que aplicava o art. 43 em lugar do art. 31, permite agora a lei que a conversão da separação em divórcio disponha sobre a partilha, não mais se exigindo prévia partilha de bens.

De imediato já se colocou uma questão que suscita dúvida na interpretação do dispositivo: não exigindo prévia partilha, e não repetindo também a regra do art. 43 da Lei do Divórcio, o Código de 2002 permite o divórcio sem a realização da partilha de bens? Parece-nos que não. Só se dispensou a prévia partilha, sendo que esta deverá ser feita no processo de divórcio. Mas este entendimento, que a nosso ver se deve impor, para evitar a confusão patrimonial decorrente de um segundo casamento sem partilha do primeiro, foi questionado em face do que dispõe o art. 1.523, inc. III, do Código[46], que dá a entender ser possível o divórcio sem a partilha. Tratando-se de um impedimento meramente proibitivo[47], que só pode ser oposto pelos parentes designados no art. 1.524[48], certamente o casamento acabará por se realizar sem a observância do impedimento, pelo que a solução da lei é inconveniente. Deve, portanto, a nosso ver, prevalecer o entendimento de que não é possível deixar-se a partilha para depois do divórcio[49].

Esta é, portanto, a causa da alteração promovida pelo Projeto, procurando deixar claro que a partilha, embora não necessite ser prévia, não pode ser deixada para depois do divórcio.

Acresce o § 2º. uma novidade: a retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio à data da propositura da ação, ou à data da medida cautelar que não tenha caducado. Esta última já constava do art. 8º. da Lei do Divórcio, no tocante à separação judicial. Mas a Lei do Divórcio falhava ao não prever a primeira retroação referida agora no Projeto, pois, não havendo medida cautelar, nenhuma retroação haveria, produzindo a sentença seus efeitos apenas a partir de seu trânsito em julgado, o que poderia gerar consequências patrimoniais desagradáveis a um dos cônjuges.

 

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.576. ...

Parágrafo único. O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.

 

“Art. 1576. O pedido judicial ou extrajudicial de divórcio caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados pelo curador, pelo ascendente ou pelo irmão.

Parágrafo único. Sendo um dos cônjuges incapaz, o divórcio somente poderá ser realizado em Juízo, vedado o procedimento extrajudicial”.

 

 

O caput do dispositivo projetado repete a disposição do parágrafo único do atual art. 1.576, com a mudança de separação para divórcio.

Introduziu-se um parágrafo ao dispositivo para deixar claro que o divórcio de incapaz só pode ser realizado em Juízo, vedando-se para tanto o procedimento extrajudicial, o que se justifica pela necessidade de maior segurança jurídica neste caso. Naturalmente, recorde-se, ao falar-se em incapacidade, não se inclui a hipótese da menoridade, pois o casamento emancipa o menor.

O tema do atual caput do art. 1.576 já foi tratado em comentários ao artigo anterior, pelo que se evita aqui a repetição, remetendo-se o leitor aos comentários já proferidos.

 

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo.

Parágrafo único. A reconciliação em nada prejudicará o direito de terceiros, adquirido antes e durante o estado de separado, seja qual for o regime de bens.

 

“Art. 1577. Transitada em julgado a sentença que homologar ou decretar o divórcio, ou homologada a escritura extrajudicial de divórcio, não poderão mais os divorciados restabelecer a sociedade conjugal, sendo possível, entretanto, um novo casamento entre eles, que terá a mesma eficácia de um casamento contraído com terceiros”.

 

 

 

Art. 7º. A reconciliação continua possível para os casais separados judicial ou extrajudicialmente, podendo eles restabelecer a união a qualquer tempo, nos termos em que a constituíram, desde que não convertida a separação em divórcio.

Parágrafo único. A reconciliação será feita no juízo do domicílio de qualquer dos cônjuges, mediante simples pedido dos cônjuges, extinguindo a obrigação alimentar até então existente entre os separados, e restabelecerá o nome de casado dos cônjuges e o regime de bens, se não houver pedido expresso de alteração do regime, nos termos do art. 1639, § 2º., da Lei nº. 10.406/02 (Código Civil).

 

Art. 9º. Ficam revogados... o parágrafo único do art. 1577,... da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),...

 

 

Reafirma a redação projetada do art. 1.577 a impossibilidade de reconciliação após o divórcio. Trata-se de princípio que foi sempre adotado no Brasil, embora nem sempre em outros países.

Borda, comentando o direito argentino, entendia que seria possível a reconciliação após o divórcio[50]. E Lagomarsino e Uriarte dão conta da controvérsia que reinou a respeito naquele país, até o advento da Lei 23.515/87:

“A opinião contrária, desenvolvida em nossa doutrina por Días de Guijarro, interpretou que a reconciliação posterior à sentença de divórcio vincular não fazia renascer o vínculo dissolvido e que era mister a celebração de outro ato matrimonial.

O último parágrafo do art. 234 do Cód. Civil vem a aclarar normativamente o tema, ao assinalar expressamente dito preceito que ‘a reconciliação posterior à sentença firme de divórcio vincular só terá efeitos mediante a celebração de um novo matrimônio’. Em consequência, a sentença firme de divórcio absoluto priva das possibilidades que apresenta a reconciliação posterior à resolução judicial que decreta a separação pessoal, e, dado que o vínculo matrimonial está já dissolvido, faz-se necessária a celebração de novas núpcias para que os ex-cônjuges acedam novamente ao estado de família de casados”[51].

 

Diferente da opinião de Borda é a situação em nosso sistema, que não permite sequer esta discussão, posto que assim se tenha pretendido regular nos Projetos 3.843 e 3.952[52].

O limite da possibilidade de reconciliação entre os cônjuges é o divórcio. Estando os ex-cônjuges já divorciados, não caberá mais a reconciliação, o que, ademais, já se inferia da lei mosaica[53]. Não importa se o divórcio foi alcançado mediante conversão da separação ou diretamente; tendo o divórcio sido decretado, não poderão os ex-cônjuges mais se reconciliarem.

A propósito, já era claro o art. 33 da velha Lei do Divórcio: “Art. 33. Se os cônjuges divorciados quiserem restabelecer a união conjugal só poderão fazê-lo mediante novo casamento”. Embora o Código de 2002 não tenha repetido expressamente a regra, pode-se afirmar com certeza prevalecer o princípio. Dissolvendo o divórcio o próprio vínculo conjugal, é natural que não possam mais os ex-cônjuges reatá-lo, a não ser por novo casamento. Ainda que a sentença de divórcio não tenha sido registrada, necessária será a realização de novo matrimônio pelos ex-cônjuges[54], ao contrário do que pretendeu Antônio Macedo de Campos[55].

É claro que, não tendo a sentença de divórcio ainda transitado em julgado, poderão os cônjuges desistir da dissolução do vínculo[56]. Em consequência, se a ação fosse a de conversão da separação em divórcio, poderiam os cônjuges dela desistir e até mesmo se reconciliarem. Caso a ação seja de divórcio direto, não necessitarão sequer da reconciliação, bastando que voltem a viver juntos, interrompendo a anterior separação de fato[57].

Portanto, como dito, a disposição deste artigo é no sentido de simplesmente reafirmar esta doutrina, amplamente majoritária na doutrina brasileira, de que não é possível a reconciliação depois do divórcio transitado em julgado[58].

Casando-se novamente os cônjuges, o tempo do casamento anterior não é contado para nenhum efeito. É, no dizer de Orlando Gomes, “como se fosse casamento com terceiro”[59]. Já era assim no direito brasileiro desde a velha Lei do Divórcio; se os cônjuges quisessem, v.g., separar-se consensualmente, teriam que aguardar o decurso de um ano do novo casamento[60].

Mas o Projeto cuidou de tratar também da possibilidade de cônjuges ainda separados judicialmente se reconciliarem. O art. 7º. do Projeto, acima transcrito, reproduz a antiga possibilidade de reconciliação a qualquer tempo para casais ainda separados judicial ou extrajudicialmente, nos termos em que a constituíram, desde que não convertida a separação em divórcio. A reconciliação, neste caso, será feita no juízo do domicílio de qualquer dos cônjuges, mediante simples pedido consensual, extinguindo a obrigação alimentar porventura existente entre eles. Ademais, a reconciliação restabelecerá o nome de casado dos cônjuges e o regime de bens, salvo se houver pedido expresso de alteração do regime.

Trata-se, evidentemente, de disposição transitória, e por isso não foi inserida no próprio Código Civil. Ela se aplicará apenas enquanto ainda houver pessoas separadas judicialmente, que não tenham convertido essa separação em divórcio.

 

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.580. Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio.

§ 1o A conversão em divórcio da separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referência à causa que a determinou.

§ 2o O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de dois anos.

 

Art. 8º. Os casais separados judicial ou extrajudicialmente, independentemente da causa e da forma da separação, poderão pedir, em juízo ou extrajudicialmente, a qualquer tempo, a conversão da separação em divórcio, seja por pedido consensual de ambos, seja por pedido de qualquer deles unilateralmente, instruindo o pedido com a certidão da sentença de separação judicial.

§ 1º. A conversão extrajudicial somente será possível consensualmente e se o casal não tiver filhos incapazes ou se a guarda e os alimentos em favor dos filhos já tiverem sido definidos na separação ou em outro processo judicial.

§ 2º. A conversão consensual obedecerá ao procedimento dos arts. 1120 a 1124-A da Lei nº. 5.869/73 (Código de Processo Civil), dispensada, contudo, a realização de audiências.

§ 3º. A conversão litigiosa obedecerá ao rito ordinário, também dispensada a realização de audiências.

§ 4º. Se a partilha de bens ainda não tiver sido feita, ela necessariamente será definida consensualmente na escritura extrajudicial ou na petição judicial, ou decidida em juízo, não sendo possível em hipótese alguma decretar-se ou homologar-se o divórcio sem decisão quanto à partilha.

§ 5º. Havendo alimentos já fixados entre os cônjuges, eles não serão alterados pela conversão da separação em divórcio, só podendo ser extintos se ocorrer qualquer das causas do art. 1708 da Lei nº. 10.406/02 (Código Civil); não havendo alimentos fixados entre os cônjuges, só poderão eles ser estipulados se houver acordo entre as partes.

 

 

 

Art. 9º. Ficam revogados... o art. 1580,... da Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),...

 

 

O art. 9º. do Projeto pretende, pura e simplesmente, revogar o art. 1.580 do Código Civil, que trata do divórcio por conversão, já que, extinta a separação judicial, não há mais que se falar em conversão da separação em divórcio.

No entanto, tendo em vista que ainda existem casais separados judicialmente, é mister facultar a esses casais que convertam essa separação em divórcio, razão pela qual o Projeto regula, em seu art. 8º., o procedimento da conversão, que naturalmente só se aplicará aos casais que estejam na situação de separados judicial ou extrajudicialmente.

Trata-se, obviamente, de disposição transitória, pois só se aplicará a determinado número de casais que estão na condição de separados atualmente. Daí o acerto de se tratar disso em dispositivo à parte, não colocando a matéria no Código Civil.

A regulação transitória é semelhante à atualmente existente para a conversão, com alguns pontos dissidentes apenas: deixa-se evidente, em primeiro plano, a independência da causa e da forma da separação para a obtenção do divórcio, o que a doutrina sempre deixou claro. Tanto faz se a separação foi obtida judicial ou extrajudicialmente, consensual ou litigiosamente, com ou sem causa culposa; de toda forma, sempre será possível a sua conversão em divórcio, seja por pedido consensual de ambos, seja por pedido unilateral de qualquer deles.

Também se pretende deixar clara a possibilidade de a conversão ser feita extrajudicialmente, se o casal não tiver filhos incapazes, ou, mesmo os tendo, se a guarda e os alimentos em favor dos filhos já tiverem sido definidos na separação ou em outro processo judicial. A Lei nº. 11.441/07 não foi explícita quanto ao divórcio por conversão, falando apenas em divórcio (naturalmente referindo-se apenas ao divórcio direto), sendo que a doutrina majoritária foi no sentido de que também a conversão poderia se operar extrajudicialmente; o Projeto pretende acolher este entendimento expressamente. E acresce que, mesmo tendo o casal filhos incapazes, poderá a conversão ser extrajudicial, contanto que a guarda e os alimentos já estejam judicialmente determinados; novidade importante para expandir o uso do meio extrajudicial de dissolução, sem prejuízo à salvaguarda dos direitos dos incapazes.

A conversão consensual obedecerá ao procedimento dos arts. 1.120 a 1.124-A do Código de Processo Civil), que é o mesmo procedimento determinado para o divórcio consensual, dispensada, contudo, a realização de audiências, já que estas não são necessárias para a conversão, que tem um único requisito objetivo, a sentença de separação judicial ou a escritura de separação extrajudicial, que se prova documentalmente.

Já a conversão litigiosa obedecerá ao rito ordinário, também dispensada a realização de audiências. Trata-se, portanto, de um rito ordinário simplificado, já que a questão é meramente de direito.

Se a partilha de bens ainda não tiver sido feita, ela necessariamente será definida consensualmente na escritura extrajudicial ou na petição judicial, ou decidida em juízo, não sendo possível em hipótese alguma decretar-se ou homologar-se o divórcio sem decisão quanto à partilha. Explicita-se, assim, a regra antes dúbia do art. 1.581, que foi tão mal interpretada na doutrina, ao afirmar que a partilha poderia ser deixada para depois do divórcio, o que o dispositivo nunca pretendeu (a pretensão era tão-somente permitir a partilha no próprio processo do divórcio, nos termos da jurisprudência que foi se consolidando durante a vigência do art. 31 da velha Lei do Divórcio).

Por fim, havendo alimentos já fixados entre os cônjuges, eles não serão alterados pela conversão da separação em divórcio, só podendo ser extintos se ocorrer qualquer das causas do art. 1.708 do Código Civil; não havendo alimentos fixados entre os cônjuges, só poderão eles ser estipulados se houver acordo entre as partes. Trata-se, portanto, de acolher a boa doutrina no sentido de que o divórcio não altera a situação alimentar das partes, mantendo-se o status quo ante.

 

 

4. Conclusão

Pretende-se, com este Projeto, adaptar a legislação infraconstitucional à nova ordem constitucional instaurada pela Emenda Constitucional nº. 66/2010, regulamentando todas as lacunas deixadas pela lacônica Emenda, que se limitou a alterar o § 6º. do art. 226 da Constituição Federal, sem dar mínimos detalhes do novo instituto do divórcio. Assim, compete à lei ordinária regulamentar a nova ordem constitucional, dando os detalhes e procedimentos do novo instituto, o que se pretende com o Projeto em questão.

 

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[1] Especialista em Direito pela Universidade Paranaense–Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá–UEM. Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo–USP. Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa–Portugal. Professor de Direito Civil na Escola do Ministério Público, na Escola da Magistratura do Paraná e na FAPI. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros (entre outros): Novo divórcio brasileiro: teoria e prática, pela ed. Juruá, em 14ª. edição; Abuso do direito, pela ed. Juruá, em 6ª. edição; Responsabilidade civil no direito de família, pela ed. Juruá, em 5ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1 (em 3ª. edição) e 2, pela ed. Juruá; Direito sucessório do cônjuge e do companheiro, pela ed. Método; Direito civil: direito das sucessões, v. 8, pela ed. Revista dos Tribunais; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

[2] Entendendo pela negativa, vide o seguinte acórdão recente do TJMG: “...Destarte, tendo em vista a nova redação da norma constitucional em questão, os requisitos, antes imprescindíveis à decretação do divórcio, foram suprimentos. Ora, assim agindo, o constituinte tornou desnecessária qualquer outra condição para a dissolução do vínculo matrimonial, que não a manifesta intenção do cônjuge, dispensando totalmente a existência prévia de separação judicial ou de fato e/ou decurso de tempo mínimo... Numa fórmula seca e direta, a fraseologia do indigitado § 6º. do art. 226 fulminou, de uma vez por todas, o instituo da separação judicial, eliminando, também, a exigência de prazo para o casamento ser dissolvido” (TJMG – 4ª. Câm. Cív. – Ap. Cív. nº. 1.0028.12.001643-2/001 – Rel. Des. Ana Paula Caixeta – DJ 10/jul./2013 – In: Revista IBDFAM. Belo Horizonte, ago./2013, p. 15).

[3] Note-se que o só fato de o constituinte reformador não ter usado a expressão “na forma da lei”, na nova redação do § 6º. do art. 226, evidentemente, não significa que não seja possível, ou mesmo desejável, que o legislador regulamente o novo divórcio. É fato que a norma constitucional é auto-aplicável, mas a lei pode, e deve, regulamentá-la, para esclarecer os pontos que não ficaram claros na redação simplista dada pela Emenda nº. 66/2010.

[4]    Igualmente dispõe o Código Civil argentino, com a redação da Lei nº. 23.515/87, com a diferença de que a dissolução só ocorre com o novo casamento: “Art. 213 – El vínculo matrimonial se disuelve: 1) por la muerte de uno de los esposos; 2) por el matrimonio que contrajere el cónyuge del declarado ausente con presunción de fallecimiento; 3) por sentencia de divorcio vincular”. Da mesma forma o Código Civil italiano: “65. Nuovo matrimonio del coniuge. – Divenuta eseguibile la sentenza che dichiara la morte presunta, il coniuge può contrarre nuovo matrimonio”. Igualmente dispunha o art. 59 do Projeto de Orlando Gomes. E a doutrina portuguesa justifica a disposição, como se vê: “Se a lei admitiu, para efeitos patrimoniais, uma presunção de morte do ausente há mais de vinte anos ou que completou 95 anos de idade, não se vê razão para não admitir a mesma presunção em matéria de casamento. Se houve para um caso uma forte razão de fato a justificar a presunção, também haverá no outro caso” (CRUZ, Guilherme Braga da. Direitos de família. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1942, v. 1, p. 123).

[5]    Observe-se o quanto perniciosa era a regra: imagine-se a hipótese de pessoa recém-casada, ainda nova, desaparecendo em seguida seu cônjuge. Ficaria essa pessoa para o resto da vida impossibilitada de se casar novamente, tendo em vista a impossibilidade do divórcio à época.

[6]    Neste sentido: “Ainda que se efetuasse a sucessão definitiva, com a presunção de morte, não se considerava dissolvido o casamento, de sorte que o cônjuge presente não podia contrair novo casamento. Agora, porém, não há mais óbice” (PACHECO, José da Silva. Inventários e partilhas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 67) (grifo nosso).

[7]    Neste sentido a lição da doutrina majoritária: “Quanto à primeira hipótese de dissolução da sociedade conjugal, no art. 2º., inciso I, prevista (morte de um dos cônjuges), que, consoante esclarece o parágrafo único do mesmo artigo, também é caso de dissolução do vínculo matrimonial – oportuno é observar –, a despeito do silêncio da lei, que não ressalva a vigência do parágrafo único do art. 315 do CC, pelo art. 54 da Lei 6.515/77 revogado – que continua excluída a hipótese de morte presumida (art. 10, 2ª. parte, do CC) – quer como fundamento para a dissolução da sociedade conjugal, quer para extinção do vínculo matrimonial” (PEREIRA, Áurea Pimentel. Divórcio e separação judicial. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 22) (grifo nosso). “Assim, para o efeito da dissolução da sociedade conjugal, não se aproveita a presunção de morte do ausente, estabelecida no art. 10, segunda parte, do CC. ...Todavia, embora omitida a limitação da eficácia da presunção de morte, não se deduz daí terem os novos legisladores se afastado da sistemática anterior, de modo a permitir que, com a declaração judicial da ausência, induzindo a presunção de morte do cônjuge, decorra ipso jure a liberação do outro para novo matrimônio, no pressuposto legal de estar dissolvido o vínculo anterior” (CAHALI, Yussef Said. Divórcio e separação. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 69-70) (grifo no original). “O efeito dissolutivo do vínculo se produz apenas com a morte real, provada mediante certidão de assento de óbito do cônjuge. A presunção de morte do ausente não aproveita para o efeito de terminação do vínculo conjugal, de modo que o caminho atual é o de que a ausência é causa de separação judicial ou de divórcio” (FREITAS, Geralda Pedroso. A terminação do vínculo conjugal. In: O direito de família e a Constituição de 1988. Coord. Carlos Alberto BITTAR. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 220).

[8]    CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 71.

[9]    “Art. 22. Desaparecendo uma pessoa do seu domicílio sem dela haver notícia, se não houver deixado representante ou procurador a quem caiba administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado ou do Ministério Público, declarará a ausência, e nomear-lhe-á curador. Art. 23. Também se declarará a ausência, e se nomeará curador, quando o ausente deixar mandatário que não queira ou não possa exercer ou continuar o mandato, ou se os seus poderes forem insuficientes”.

[10]  “Art. 1.521. Não podem casar: ...VI – as pessoas casadas”.

[11]  Neste sentido, escreve GONÇALVES, Carlos Roberto (Direito civil brasileiro: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 118) que se o ausente “estiver vivo e aparecer, depois de presumida a sua morte e aberta a sucessão definitiva, com a dissolução da sociedade conjugal, e seu cônjuge houver contraído novo matrimônio, prevalecerá o último”.

[12]  Afastam-se, contudo, as consequências criminais da bigamia (art. 235 do Código Penal), tendo em vista que não houve dolo das partes.

[13]  “68. Nullità del nuovo matrimonio. – Il matrimonio contratto a norma dell’articolo 65 è nullo, qualora la persona della quale fu dichiarata la morte presunta ritorni o ne sia accertata l’esistenza. Sono salvi gli effetti civili del matrimonio dichiarato nullo. La nullità non può essere pronunziata nel caso in cui è accertata la morte, anche se avvenuta in una data posteriore a quella del matrimonio”. No mesmo sentido dispunha o Projeto de Orlando Gomes (art. 59).

[14]  “§ 1348. Se um cônjuge contrai um novo matrimônio depois de que o outro cônjuge foi declarado falecido, o novo matrimônio não é nulo pela circunstância de que o cônjuge declarado falecido ainda viva, a não ser que ambos cônjuges soubessem no momento da conclusão do matrimônio que o cônjuge declarado falecido sobreviveu à declaração de falecimento”. Este dispositivo, contudo, está revogado.

[15] Reitere-se que, mesmo tendo a Emenda 66/10 extinguido a separação judicial, remanescem situações de pessoas já separadas antes da Emenda e que podem ainda pedir a conversão da separação em divórcio.

[16]  I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado, do Superior Tribunal de Justiça (disponível em <http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/enunciados.asp>. Acesso em: 23 jan. 2003).

[17] Mesmo diante da ausência de lei que regulamente a citada Emenda, é possível aplicar por analogia os dispositivos que tratavam da culpa na separação judicial para o divórcio, até que a lei venha a dispor a respeito (vide, a propósito, CARVALHO NETO, Inacio de. Novo divórcio brasileiro. 12. ed. Curitiba: Juruá, 2013, item 5.5.1, p. 181).

[18]  Já se pretendeu, no entanto, a separação judicial invocando-se o próprio adultério, o que foi naturalmente rechaçado pelo Tribunal de Justiça do Paraná: “Desquite litigioso. Ação proposta pelo marido. Auto-acusação de adultério e abandono do lar atribuído à esposa. Ação improcedente. Inadmissível a acusação de si próprio, para fundamentar pedido de desquite. O abandono do lar há de ser voluntário, não servindo para base do reclamo quando há justificativa para o ato” (TJPR – 4ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 871/73 – Rel. Des. Marçal Jústen – RT 472/180).

[19]  O nosso legislador de 1977 inspirou-se no legislador francês de 1975, que, dando nova redação ao Código Civil, assim dispôs: “Art. 242. Le divorce peut être demandé par un époux pour des faits imputables à l’autre lorsque ces faits constituent une violation grave ou renouvelée des devoirs et obligations du mariage et rendent intolérable le maintien de la vie commune”. Em vernáculo: “Art. 242. O divórcio pode ser demandado por um cônjuge em razão de fatos imputáveis ao outro quando tais fatos constituam uma violação grave ou repetida dos deveres e obrigações do casamento e tornem intolerável a manutenção da vida em comum”. O art. 1.779º do Código Civil português permite ao cônjuge pedir o divórcio litigioso se “o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum”. Note-se que a hipótese de reiteração não é prevista em nosso ordenamento jurídico, o que seria mister, já que, por vezes, não comete o cônjuge tido como culpado pela separação nenhuma conduta grave o suficiente para justificar a separação por sua culpa, mas comete uma série de condutas leves, que tornam a vida em comum insuportável, e que deveriam justificar a separação culposa.

[20]  Assim dispunha o revogado art. 317 do Código Civil: “Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: I. Adultério. II. Tentativa de morte. III. Sevícia ou injúria grave. IV. Abandono voluntário do lar conjugal durante dois anos contínuos”. Anote-se a impropriedade do inc. II acima transcrito, ao citar a tentativa de morte, querendo, naturalmente, referir-se à tentativa de homicídio.

[21]  Neste sentido: “...no regime do Código Civil, antes da lei do divórcio, o aplicador do direito estava submisso, de forma absoluta, na decretação de separações, aos casos tipificados no art. 317, já tantas vezes aludido. Não lhe seria possível, no regime anterior ao atual, acolher um pedido de desquite formulado por um cônjuge com fundamento na infringência do dever, objeto de consagração pelo inc. IV, do art. 231, do Código Civil, ou mais precisamente do de sustentar, guardar e educar os filhos. É que não haveria, na fórmula rígida do então vigente art. 317 e seus quatro incisos, aquela correspondência entre a infração de tal dever e obtenção do desquite... Nos termos da lei atual, contudo, a fórmula genérica do art. 5º, caput, abrange qualquer das hipóteses do art. 231 do Código Civil garantindo total correspondência entre deveres e direitos recíprocos e separação judicial. Aquele cônjuge que infringira o dever do sustento, da guarda e da educação do filho, ou filhos (art. 231, inc. IV), estaria submisso ao divórcio-sanção, embora não o estivesse no regime anterior, passível de ser considerado culpado em ação de desquite” (ABREU, José. O divórcio no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 44-45).

[22]  Neste sentido: “O novo regramento rompeu com o sistema da enumeração casuística. Não mais se fala em adultério, tentativa de morte, sevícia, injúria grave e abandono voluntário do lar. Isto não significa que tais fatos deixem de constituir motivo para a separação judicial contenciosa. Cabem por inteiro nos novos conceitos de conduta desonrosa e ato de grave violação dos deveres do casamento” (CORRÊA, Orlando de Assis; MOURA, Mário Aguiar. Divórcio: teoria e prática. Porto Alegre: Síntese, 1978, p. 40). “A Lei 6.515, a chamada Lei do Divórcio, no art. 5º, modificou completamente a situação anterior. Antigamente tínhamos o desquite por causas muito claras: adultério, injúria grave, abandono do lar etc. O art. 5º, da Lei do Divórcio, procurou simplificar essas causas do desquite e incluiu todas elas numa única referência” (TJRS – 2ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 33.795 – Rel. Des. Júlio Martins Pôrto – RTJRS 79/433 – no corpo do acórdão).

[23]  Confira-se: “Como vimos, a nova lei deu ao instituto da separação maior amplitude do que a dada para os casos de desquite. Sim, deu-lhe maior distância angular porque a alocução Violação dos Deveres do Casamento, pela sua generalidade, engloba todas as causas previstas no art. 317, incs. I, II, III e IV do Código Civil e lhes acrescentou outras, como atesta a Lei do Divórcio” (TJPR – 2ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 1.445/80 – Rel. Des. Abrahão Miguel – j. em 25.03.1981 – no corpo do acórdão).

[24]  Neste sentido: “Haverá de agora em diante apreciação mais discricionária dos comportamentos anormais de um ou de ambos os consortes e que se constituem em perturbação da vida conjugal. Os conceitos ampliam-se para enquadrá-las na extensa previsão legal. É deixado ao prudente arbítrio do juiz exercer a crítica dos fatos de caso a caso, para concluir se houve causa para a separação judicial litigiosa, segundo o espírito da idéia ampla de conduta desonrosa e ato de grave violação dos deveres do casamento” (MOURA, Mário de Aguiar. Insuportabilidade da vida comum na separação judicial litigiosa. In: Repertório IOB de Jurisprudência e Pesquisa. São Paulo: IOB, 1990. verbete 4.957).

[25]  “A nossa jurisprudência inclui na injúria grave, entre outros fatos, a recusa do debitum conjugale, a embriaguez, a transmissão de doença venérea, a revogação, sem justa causa, de mandato outorgado pela mulher ao marido, o batismo do filho pela esposa sem convidar seu cônjuge, a recusa em fornecer dinheiro para manter a família etc... O abandono só se torna causa de desquite quando voluntário e continuado por prazo igual ou superior a dois anos. Tem entendido todavia a jurisprudência que o abandono sem justa causa por tempo inferior poderá constituir injúria grave por importar na recusa em ter relações sexuais com o outro cônjuge e a com ele conviver” (WALD, Arnoldo. Do desquite. Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1959. p. 116-118).

[26]  “Rien de plus élastique. On peut dire: sont des injures tout ce qu’un avocat habile parvient à faire admettre comme tel” (BEUDANT. Cours de droit civil français. 2. ed. Paris: Rousseau, 1936. p. 41). Tradução livre: “Nada mais elástico. Pode-se dizer: são injúrias tudo o que um advogado hábil possa fazer admitir como tal”.

[27]  “Todas as hipóteses de injúria grave (n. III do antigo art. 317 do CC) incluem-se no conceito de conduta desonrosa” (CHAIB, Euvaldo. Conduta desonrosa na Lei do Divórcio. In: Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 545, p. 278, mar. 1981).

[28]  Cf. Boletim IBDFAM. Belo Horizonte: IBDFAM, v. 19, p. 11, mar./abr. 2003.

[29] Neste sentido o recente acórdão do TJMG já citado: “...Ora, assim agindo, o constituinte tornou desnecessária qualquer outra condição para a dissolução do vínculo matrimonial, que não a manifesta intenção do cônjuge, dispensando totalmente a existência prévia de separação judicial ou de fato e/ou decurso de tempo mínimo, como exigia aquele parágrafo em sua antiga redação, bem como qualquer discussão sobre culpa de algum deles, como na economia anterior” (TJMG – 4ª. Câm. Cív. – Ap. Cív. nº. 1.0028.12.001643-2/001 – Rel. Des. Ana Paula Caixeta – DJ 10/jul./2013 – In: Revista IBDFAM. Belo Horizonte, ago./2013, p. 15). No mesmo sentido o seguinte acórdão do TJPR: “Entretanto, é desnecessária e ultrapassada a discussão da culpa para a decretação do divórcio, conforme dispõe a atual redação do artigo 226, § 6º., da Constituição Federal” (TJPR – 12ª. Câm. Cív. – Ap. Cív. nº. 1000071-0 – Rel. Des. Rosana Amara Girardi Fachin – DJ 24/jul./2013 – In: Revista IBDFAM. Belo Horizonte, set./2013, p. 15).

[30] Vide, entre outros, CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade civil no direito de família. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2013, itens 5.7 e 5.10, p. 285-295 e 296-298; BIGI, José de Castro. Dano moral em separação e divórcio. In: Revista dos Tribunais. São Paulo, ago./1991, v. 670, p. 49; SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação civil na separação e no divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 156-158.

[31]  MIRANDA, Darcy Arruda. A Lei do Divórcio interpretada. São Paulo: Saraiva, 1978. p. 223.

[32]  GOMES, Orlando. Direito de Família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 204.

[33]  CZAJKOWSKI, Rainer. União livre. Curitiba: Juruá, 1997, p. 127.

[34]  CZAJKOWSKI, Rainer. Op. cit., p. 135.

[35]  MOTTA, Márcio Pinheiro Dantas. O divórcio e os alimentos face à (sic) nova ordem constitucional. In: Jornal da Associação do Ministério Público do Paraná. Curitiba: APMP, p. 3, fev. 1997.

[36]  ALMADA, Ney de Mello. Direito de família. São Paulo: Brasiliense, [1987?], v. 1, p. 372.

[37]  RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 6, p. 212.

[38]  ABREU, José. Op. cit., p. 61.

[39]  LEITE, Eduardo de Oliveira. Síntese de direito civil: direito de família. Curitiba: JM, 1997, p. 281.

[40]  BRUNO, Maurizio. Separazione e divorzio. 2. ed. Roma: Buffetti, 1991, p. 39. No original: “...gli unici obblighi che, dopo la separazione, legano i coniugi, sono quelli che scaturiscono proprio dalla separazione, obblighi espressamente stabiliti dalla normativa sulla separazione personale e che, non sono affatto, come alcuni ritengono, una prosecuzione dei doveri coniugali di cui agli artt. 143 c.c. e segg. Infatti la normativa sulla separazione personale è del tutto autonoma rispetto quella sugli obblighi derivanti dallo stato di coniugio”.

[41]  Neste sentido: “Este artigo (Lei do Divórcio, art. 43) refere-se aos ‘desquites’ (hoje separação), isto é, às separações ocorridas antes da Emenda Constitucional 9, de 28.06.1977, que estabeleceu o divórcio no Brasil. Antes dessa Emenda, como não havia divórcio, competia às partes decidirem sobre a conveniência e oportunidade de realizarem a partilha. Assim, o legislador de 1977 estabeleceu que a decisão de conversão deve dispor sobre a partilha dos bens, se ela não foi homologada ou decidida na sentença do ‘desquite’, ou se não foi feita posteriormente” (esclarecemos no primeiro parêntese) (FONSECA, Gilson; CALANZANI, José João. Lei do Divórcio anotada. Rio de Janeiro: Aide, 1995, p. 126).

[42]  “A conversão da separação judicial em divórcio está sujeita a duas condições: sentença de separação judicial e decisão definitiva sobre a partilha de bens. Não tendo sido feito o inventário e existindo, ainda, bens não partilhados no esboço de partilha homologado, carece o autor de ação” (TJRJ – 1ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 18.362 – Rel. Des. Pedro Américo. Apud PEREIRA, Áurea Pimentel. Op. cit., p. 119). “Impossível admitir-se a decretação do divórcio por via de conversão de separação judicial sem que a partilha dos bens do extinto casal tenha sido julgada previamente ou seja homologada em conjunto com a sentença de conversão, de modo a dar fim, de qualquer modo, à indivisão, prejudicial ao ex-cônjuge e à ordem pública” (TJRJ – 8ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 33.970 – Rel. Des. Paulo Pinto. Apud ABREU, José. Op. cit., p. 234).

[43]  “...Pode a partilha de bens ser decretada na própria ação de conversão, se antes não foi feita, desde que, face ao (sic) consenso, nenhum prejuízo poderá advir às partes” (TJRS – 6ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 587.0430.35 – Rel. Des. Adalberto Libório Barros. Apud ABREU, José. Op. cit., p. 235).

[44]  “O legislador abriu exceção à regra da anterioridade do julgamento da partilha dos bens no art. 43 da Lei 6.515. Isto é, permitiu a contemporaneidade da ‘decisão da partilha’ com a ‘decisão de conversão(TJSP – 8ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 58.943-1 – Rel. Des. Jorge Almeida – RJTJSP 99/86).

[45] Para maiores detalhes a respeito, vide CARVALHO NETO, Inacio de. O novo divórcio... cit., item 4.5, p. 137-144.

[46]  “Art. 1.523. Não devem casar:...III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal”.

[47]  Vide, a propósito, CARVALHO NETO, Inacio de. Responsabilidade... cit., item 7.2, p. 359-387.

[48]  “Art. 1.524. As causas suspensivas da celebração do casamento podem ser arguidas pelos parentes em linha reta de um dos nubentes, sejam consanguíneos ou afins, e pelos colaterais em segundo grau, sejam também consanguíneos ou afins”.

[49]  ARAÚJO, Vaneska Donato de (As cláusulas versando sobre a partilha de bens, sobre os alimentos e sobre o nome dos cônjuges são obrigatórias em qualquer escritura pública de separação e divórcio? In: Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. Coordenadores: Antônio Carlos Mathias COLTRO e Mário Luiz DELGADO. São Paulo: Método, 2007, p. 263) honra-nos com a citação em sua obra desse nosso entendimento assim manifestado em Novo divórcio... cit., item 4.5, p. 144.

[50]  “A reconciliação posterior ao divórcio vincular restabelece o matrimônio? Tem-se sustentado que não, e que em tal caso os cônjuges que desejaram restabelecer sua situação anterior, devem contrair novo enlace. Dissentimos dessa opinião. Cremos que se depois de decretada a dissolução, os cônjuges voltam a conviver, quiçá para o resto de suas vidas, essa união não pode ser reputada concubinato nem os filhos extramatrimoniais. Porém se um dos cônjuges se casou com outro depois da dissolução, a nova convivência com o primeiro cônjuge não basta para restabelecê-los ao status matrimonial. O novo casamento rompeu de maneira completa e definitiva o primeiro vínculo; e os cônjuges não podem já infundir-lhe renovado vigor. Neste caso sim, seriam necessárias as novas núpcias formais, logo que dissolvidas as segundas” (BORDA, Guillermo A. Tratado de derecho civil argentino: familia. 4. ed. Buenos Aires: Perrot, 1969. v. 1, p. 439). No original: “¿La reconciliación posterior al divorcio vincular restablece al matrimonio? Se ha sostenido que no, y que en tal caso los cónyuges que desearen restablecer su situación anterior, devem contraer nuevo enlace. Disentimos con esa opinión. Creemos que si después de decretada la disolución, los cónyuges vuelven a convivir, quizás para el resto de sus vidas, esa unión no puede ser reputada concubinato ni los hijos extramatrimoniales. Pero si uno de los cónyuges se hubiera casado con otro después de la disolución, la nueva convivencia con el primer cónyuge no basta para restablecerlos al status matrimonial. El nuevo casamiento ha roto de manera completa y definitiva el primer vínculo; y los cónyuges no pueden ya infundirle renovado vigor. En esse caso sí serían necesarias las nuevas nupcias formales, luego que disueltas las segundas”.

[51]  LAGOMARSINO, Carlos; URIARTE, Jorge. Separación personal y divorcio. 2. ed. Buenos Aires: Universidad, 1997, p. 521. No original: “La opinión contraria, desarrollada en nuestra doctrina por Díaz de Guijarro, interpretó que la reconciliacón posterior a la sentencia de divorcio vincular no hacía renacer el vínculo disuelto y que era menester la celebración de otro acto matrimonial. El último párrafo del art. 234 del Cód. Civil viene a aclarar normativamente el tema, al señalar expresamente dicho precepto que ‘la reconciliación posterior a la sentencia firme de divorcio vincular sólo tendrá efectos mediante la celebración de un nuevo matrimonio’. En consecuencia, la sentencia firme de divorcio absoluto priva de las posibilidades que presenta la reconciliación posterior a la resolución judicial que decreta la separación personal, y, dado que el vínculo matrimonial está ya disuelto, hace necesaria la celebración de nuevas nupcias para que los ex cónyuges accedan nuevamente al estado de familia de casados”.

[52]  Cf. CAHALI, Yussef Said. Op. cit., p. 1.236.

[53]  “Quando um homem tomar uma mulher, e se casar com ela, então será que, se não achar graça em seus olhos, por nela achar coisa feia, ele lhe fará escrito de repúdio, e lho dará na sua mão, e a despedirá de sua casa....Então seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a tomá-la, para que seja sua mulher, depois que foi contaminada” (Bíblia Sagrada. 71. impressão. Tradução de João Ferreira de Almeida (revista e corrigida). Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica, 1990, p. 324-325, Deuteronômio 24.1-4).

[54]  Neste sentido: “Divórcio. Restabelecimento da sociedade conjugal. Sentença não levada a registro. Ato que visa tão-somente dar publicidade à decisão. Trânsito em julgado que gera efeitos erga omnes. Pedido indeferido” (TJSP – 3ª Câm. Cív. – AI 171.609-1 – Rel. Des. Toledo César – RJTJSP 138/302).

[55]  “Entretanto, entre o trânsito em julgado da sentença e seu registro ou averbação, haverá um hiato, um período em branco, uma vez que conforme já se estudou, a sentença definitiva do divórcio somente produzirá efeitos depois de registrada (termo empregado pela lei), no registro público competente.... Mesmo porque, em se cuidando em direito de família, as decisões passadas em julgado, menos com relação às partes, tem uma (sic) valor muito relativo. Porém, se houver sentença definitiva passada em julgado e registrada (para o autor, averbada) no Cartório de Registro Civil, produzindo já todos os efeitos, não haverá possibilidade do restabelecimento da sociedade conjugal, mediante simples petição ao juiz, como se fosse mera separação judicial” (esclarecimentos no original) (CAMPOS, Antônio Macedo de. Teoria e prática do divórcio. São Paulo: Jalovi, 1978. p. 215-216).

[56]  Neste sentido: “Divórcio. Desistência após a sentença. Admissibilidade. Homologação” (TJSP – 5ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 34.114-1 – Rel. Des. Martiniano de Azevedo – RJTJSP 86/79). Do corpo do acórdão, extremamente sucinto, infere-se que a sentença ainda não havia transitado em julgado, já que a ré havia recorrido da decisão.

[57]  Se, no entanto, havia sido decretada a separação de corpos, será necessário, para expungir qualquer dúvida, que o cônjuge requerente (ou ambos, se o pedido foi consensual) peça em Juízo a cessação de seus efeitos.

[58] Neste sentido o recente acórdão do TJMG já citado: “...uma vez decretado o divórcio, os ex-consortes, caso resolvam se reconciliar, terão de se casar novamente” (TJMG – 4ª. Câm. Cív. – Ap. Cív. nº. 1.0028.12.001643-2/001 – Rel. Des. Ana Paula Caixeta – DJ 10/jul./2013 – In: Revista IBDFAM. Belo Horizonte, ago./2013, p. 15).

[59]  GOMES, Orlando. Op. cit., p. 222.

[60]  Com a devida vênia, discordamos do entendimento contrário esposado nesta decisão: “Casamento. Casal que sucessivamente requereu desquite por mútuo consentimento e divórcio, tornou a contrair novo matrimônio para afinal, ajuizar pedido de separação consensual. Homologação pelo juiz, apesar de não se haver completado o período de dois anos após o segundo enlace. Irrelevância. Exigência inútil na espécie. Pressuposto já anteriormente observado” (TJSP – 1ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 48.572-1 – Rel. Des. Luís de Macedo – RT 594/52). Mais correto, a nosso ver, o voto vencido do Des. Álvaro Lazzarini: “...E, realmente, como salientado nesse parecer, percebe-se que a instabilidade do casal – um engenheiro e uma psicóloga – que casa e se descasa é insólita. Não permitir-se a nova separação por mútuo consentimento antes do biênio legal desse segundo casamento é atender-se ao espírito da lei, evitando-se, assim, também, o abuso que possam estar fazendo os cônjuges desse instituto. Faz-se, de fato, necessário o transcurso do biênio legal para impedir, o quanto possível, que a sociedade conjugal, enriquecida pelos filhos do casal, venha a dissolver-se antes que os cônjuges estejam em condições de apreciar, mais uma vez, se a vida em comum lhes é insuportável. Lembre-se que se considera novo casamento o casamento entre si dos cônjuges anteriormente casados e divorciados. Note-se que se os cônjuges, como divorciados que estavam, tivessem se casado com terceiros, esse biênio legal haveria de ser observado. No caso dos autos, embora com suas peculiaridades, nem por isso é possível a inobservância do prazo. Devem ater-se à lei, quando reza que para a concessão da separação consensual faz-se necessário que os cônjuges estejam casados há mais de dois anos, sem solução de continuidade como entende-se ser o óbvio e bem se sustenta nas razões de apelação que se adotam”.